Unhas, Um Monte de Unhas
Tem
coisas que nos incomodam mais do que outras. Todo mundo está de acordo com
isso. Só que eu não consigo escrever muito bem de unhas compridas. Parece que
minhas forças, minha disposição diminui com o aumento das minhas unhas. Algum
tipo de proporção inversa.
É
uma besteira, sei bem. Mas qualquer pessoa possui algo de besta consigo mesma.
Existem aqueles que se incomodam demais com o fato de o bife não estar bem
vermelho, por falta de colorau. Meu pai é um desses. É outra besteira, colorau
nem tem gosto que se sinta direito na língua, mas ele não admite bife no seu
prato sem aquele vermelho suculentamente chamativo. Eu não já não faço questão
de algo desse tipo.
Mas
ter as unhas compridas é algo que me deixa minado no meu trabalho de
escrevinhar através de teclas. Neste momento falo disso porque me esqueci de
cortar as unhas das mãos, e agora está sendo meio sufocante digitar essas
palavras. Notei esse pequeno empecilho outro dia, mais especificamente
anteontem, enquanto escrevia um novo conto. As primeiras oitocentas palavras
saíram, mas demoraram a se estruturar da maneira como eu queria. Já escrevi
histórias bem mais rápido.
Unhas
compridas são mais úteis quando são inúteis. Pegou o espírito da coisa? Quando
não passam de mero acessório estético. A não ser pelo fato de, em você sendo um
violonista clássico, que necessita de unhas compridas em uma das mãos para
dedilhar as cordas do instrumento, enquanto a outra, que produz as notas e os acordes,
deve apresentar unhas bem cortadas. Penso que este seria o único fator
realmente útil para se cultivar unhas mais longas.
Mulheres,
não sei bem se por gosto pessoal ou por imposição social (a maioria, eu diria,
segue a imposição), são usuárias contumazes das unhas compridas: ao natural,
pintadas com esmaltes de cores diversas, com base transparente, com desenhos
personalizados, roídas, lixadas, com tinta descascando, sensuais, recatadas,
até mesmo depravadas. Vale de tudo, basta olhar pelas ruas, dentro do
supermercado ou do restaurante. Se é que você mesma não costuma seguir algum
desses estilos. Talvez todos eles. Variando de semana a semana, de humor a
humor.
Eu,
quando estudei por um tempo violão clássico, sentia a obrigação de ter as unhas
compridas da mão direita. Sempre fui meio relapso para treinar as escalas, os
acordes, por isso as unhas longas não duraram muito. Além do mais, era muito
estranho manter unhas daquele tamanho em apenas uma das mãos. Eu me sentia um
ser bastante bizarro. Ainda me sinto, mas é por outras razões, não vem ao caso.
E meu violão está, no presente momento, sistematicamente encostado na parede.
Daí
que me acometeu de sentir um incômodo quando as unhas crescem demais. Certo,
preciso me policiar quanto a isso. E não, não tenho certeza de que o incômodo surgiu
das práticas com o violão. Apenas digo que escrever, para mim, implica ter as
unhas bem aparadas. Nada de excessos. Puramente o básico. Como o ato de revisar
e revisar e terminar por cortar o supérfluo numa frase e num texto inteiro.
Quando
voltar para casa, a primeira coisa a fazer será entrar no banheiro e pegar a
tesoura de unha. Não uso cortador de unha. Não nutro simpatias por cortadores
de unha. O que também, aqui, não vem ao caso.
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