Atropelamentos

Atropelei um gato. Foi sem querer. Madrugada, voltando para casa, o bichano quis atravessar justo no momento em que eu passava com o carro, bem pelo meio da rua.

Quando ele notou os faróis, deu aquela travada. Não correu pra lado nenhum, paralisou feito estátua, mesmo. Só tive tempo de ver o brilho da luz em seus olhos. Hoje imagino que já era a luz saindo dos seus olhos. Mentira, nunca tive jeito pra poeta, então era só o reflexo nas pupilas dele. Engraçado como elas ficaram verdes, de um verde meio amarelo, depois branco.

Essa parte eu posso estar simplesmente alucinando. Também não foi exatamente engraçado.

É, fiquei um pouco mal, sim. Não sou de ferro. Só que provavelmente foi pior quando atropelei um cão.

Também sem querer. É sempre quando eles querem atravessar o asfalto. Dessa vez eu tinha a certeza de que o cão era de família. Ele veio correndo de uma casa à minha esquerda, de repente. Não havia a mínima chance de fazer qualquer coisa. Quando as rodas passaram por cima dele, ouvi claramente o ganido e fiquei com pena de olhar pelo retrovisor o que eu havia acabado de fazer. Escutei alguém da casa gritando que ele morreu, ele morreu, porém segui sem parar. Ninguém merecia culpa alguma no caso, mas não pude deixar de me sentir chateado.

Agora, da vez em que uma galinha foi atropelada no meio da estrada, foi surreal, e não tive nada a ver com isso. Íamos para a praia, meus pais e eu. Encostamos ao lado de uma barraca onde se vendia café, sucos e bolos. Dos fundos da residência ao lado veio uma galinha branca, crista bem vermelha, fazendo algum cocoricó e fugindo de um garoto. Um homem veio de dentro dizendo que era pra tomar cuidado, lá vinha um veículo todo preto, janelas fumê fechadas, o ronco do motor chegando de longe. Acho que a galinha só teve tempo de fazer uma pergunta.

— có?

Num segundo, a penosa estava ali. No outro, era como se jamais houvesse existido. A batida no para-choque foi certeira. Muito tempo depois as penas brancas caíram por toda a estrada, espalhadas pelo vento. E o veículo preto não diminuiu a velocidade por nada.

Foi quando as pessoas ao redor avistaram a galinha tentando erguer a cabeça, lá do outro lado da estrada. O pescoço fora quebrado, e ela, no desespero, dando voltas em torno de si mesma, batendo as asas no asfalto, fazendo um som estranho. O homem da casa, dessa vez, gritou uma ordem urgente pro garoto.

— traz, que agora a gente vai botar ela na panela.

Mas enfim.

Atropelei um gato. Madrugada, sem chance pra ele. Juro que não foi intencional. Aqueles olhos petrificados, refletindo as luzes dos faróis, ainda me incomodam. Sentir o carro esmigalhar alguma coisa viva lá embaixo, definitivamente, não é legal.

E eu nem gosto tanto assim de gatos.

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